O homem típico
espera que o sábio espiritual seja “menos que uma pessoa”, de alguma forma
liberto dos impulsos confusos, difusos, complexos, pulsantes, compulsivos, que
guiam a maior parte dos seres humanos. Esperamos que nossos sábios sejam a
ausência de tudo o que nos impulsiona.
(...)
Sempre que um sábio se mostra
humano – a respeito de dinheiro, comida, sexo, relacionamentos – sentimo-nos
chocados, porque estamos planejando fugir inteiramente da vida, e o sábio que
vive a vida nos ofende. Queremos estar fora, queremos ascender, queremos
escapar, e o sábio que assume a vida com prazer, vive-a totalmente, pega cada
onda da vida e surfa nela até o fim – nos perturba e nos assusta intensamente,
profundamente, porque significa que nós, também, deveríamos assumir a vida com
prazer, em todos os níveis, e não simplesmente fugir dela numa nuvem etérea,
luminosa. Não queremos que nossos sábios tenham corpo, ego, impulsos,
vitalidade, sexo, dinheiro, relacionamentos ou vida, porque essas são coisas
que habitualmente nos torturam e queremos vê-las longe de nós. Não queremos
surfar as ondas da vida, queremos que as ondas desapareçam. Queremos uma
espiritualidade feita de fumaça.
O
sábio completo, o sábio não-dual está aqui para mostrar-nos o contrário.
Geralmente conhecidos como “tântricos”, estes sábios insistem em transcender a
vida, vivendo-a. Insistem em procurar libertação no envolvimento, encontrando o
nirvana no meio do samsara , encontrando a liberação total pela completa
imersão. Passam com consciência pelos nove círculos do inferno, certos de que
em nenhum outro lugar encontrarão os nove círculos do céu. Nada lhes é estranho
porque nada existe que não seja Um Sabor.
Na verdade, o segredo consiste
em estar inteiramente à vontade no corpo e com seus desejos, com a mente e suas
idéias, com o espírito e sua luz. Assumi-los inteiramente, plenamente,
simultaneamente, uma vez que todos são igualmente manifestações do Um e Único
Sabor. Vivenciar a paixão e vê-la funcionar; penetrar nas idéias e acompanhar
seu brilho; ser absorvido pelo Espírito e despertar para a glória que o tempo
esqueceu de nomear. Corpo, mente e espírito, totalmente contidos, igualmente
contidos, na consciência eterna que é a essência de todo o espetáculo.
Na
quietude da noite, a Deusa sussurra. Na luminosidade do dia, Deus amado brada.
A vida pulsa, a mente imagina, as emoções ondulam, os pensamentos vagam. O que
são todas estas coisas senão movimentos sem fim do Um Sabor, eternamente
jogando com suas próprias manifestações, sussurrando mansamente a quem quiser
ouvir: isto não é você mesmo? Quando o trovão ruge, você não ouve o seu Eu?
Quando irrompe o raio, você não vê o seu Eu? Quando as nuvens deslizam
mansamente no céu, não é o seu próprio Ser ilimitado que está acenando para
você?
(Ken Wilber do livro: A ausência do Ego)