São muitas as coisas das quais posso duvidar, mas do único que não posso duvidar é de minha própria consciência presente. MINHA consciência É e, ainda que a questionasse, não deixaria de ser minha consciência dubitante. Posso crer que meus sentidos se enfrentam com uma falsa realidade, uma realidade exclusivamente virtual ou digital composta de imagens que parecem reais, porém, ainda em tal caso, não posso duvidar da consciência que está observando...
A contundência de minha consciência presente me proporciona a certeza imediata de que, neste momento, existo, de que, neste momento, sou. É impossível questionar a consciência e o Ser deste instante, porque é o próprio fundamento de todo conhecimento, de toda percepção e de toda existência...
Quem sou eu? Formula-te esta pergunta uma e outra vez, profundamente. Quem sou eu? Que há em mim que seja consciente de tudo?
Tanto se acreditas conhecer ao Espírito como se acreditas desconhece-lo, o Espírito não deixa de ser o que está pensando todas essas coisas. Podes duvidar dos objetos de consciência, mas jamais poderás colocar em questão ao que dúvida, jamais poderá duvidar realmente da Testemunha que se dá conta de todo esse desenvolvimento. Descansa, portanto, na Testemunha, independente de que acredites conhecer ou ignorar a Deus, porque essa Testemunha, a inegável imediates da consciência é, em si mesma, Deus, o Espírito, a mente de Buda. A certeza não descansa nos objetos, senão na Pura Consciência sentida onde aparecem os objetos. Jamais poderá ver a Deus, porque Deus é O Que Vê e não um objeto finito, mortal e definido que possa ver-se...
O estado puro de Ser não é difícil de se alcançar, senão impossível de evitar, porque é o que agora mesmo está lendo esta página, Podes sentir Esse Um? Por que continuas buscando a Deus quando, de fato, Deus é o que lê?
Basta que te perguntes: Quem sou eu? Quem sou eu? Quem sou eu?
Sou consciente de meus sentimentos, de modo que não sou meus sentimentos. Quem sou eu? Dou-me conta de meus pensamentos, de modo que não sou meus pensamentos. Quem sou eu? As nuvens flutuam no céu, os pensamentos flutuam na mente, os sentimentos flutuam no corpo e eu não sou nada disso, porque posso contemplar isso tudo.
Posso, além do mais, duvidar da existência das nuvens, posso duvidar da existência dos sentimentos e posso questionar a existência dos objetos de pensamento, mas não posso questionar a existência, neste instante, da Testemunha porque, ainda em tal caso, seria a Testemunha o que se dá conta de minha dúvida.
Eu não sou nenhum dos objetos da natureza, dos sentimentos do corpo nem os pensamentos da mente, porque posso dar-me conta de todos deles. Eu sou a Testemunha, a Abertura imensa, espaçosa, vazia, pura e transparente que registra de forma imparcial tudo quanto aparece, como o espelho que reflete naturalmente todos os objetos que desfilam diante dele...
Agora mesmo podes sentir essa Grande Libertação porque, no mesmo instante que descansas na simples presença deste momento, te libertas da sufocante constrição dos meros objetos, dos meros sentimentos e dos meros pensamentos; todos eles veem e vão, porém, tu és a imenso, livre, vazia e aberta Testemunha que os contempla sem ver-se afetado por seus momentos e torturas.
Este é, de fato, o descobrimento... do eu divino puro, da Testemunha sem forma, do nada causal, da imensa Vacuidade, Liberdade e Liberação.
E esse descobrimento... te leva à metade do caminho de volta a casa. Depois de haver-te desidentificado de todos e cada um dos objetos finitos, descansas como Consciência infinita. És livre, aberto, vazio, cristalino, radiante, solto, liberado, exaltado e impregnado de uma vacuidade beatífica que existe antes do espaço, antes do tempo, antes das lágrimas, antes do terror, antes da dor, da mortalidade, do sofrimento e da morte. Terás descoberto o Grande Não Nascido, o Imenso Abismo, o Fundamento inqualificável de tudo o que é, de tudo o que foi e de tudo o que será.
Mas, por que digo que só chegastes à metade do caminho? Porque quando descansas na amplitude infinita da consciência, espontaneamente consciente de tudo quanto aparece, não tardará em chegar a grande catástrofe da Liberdade e da Plenitude final em que a própria Testemunha acaba desvanecendo-se e, no lugar de ver o céu, és o céu, em lugar de apalpar a terra, és a terra, e no lugar de ouvir o trovão, és o trovão. E quanto TU e o Cosmos inteiro os fundem em Um Só Sabor, podes beber-te o Oceano Pacífico de um só trago e sustentar o Everest na palma da mão, enquanto as supernovas rodopiam em torno de teu coração e tua cabeça se vê substituída pelo sistema solar...
Tu és Um Só Sabor, o espelho vazio que é um com todos e cada um dos objetos que aparecem em seu abraço, uma amplitude descuidadamente vasta e translúcida, infinita, eterna e resplandescente mais além da Libertação. E Tu... és... ISSO.
Assim é como o dualismo cartesiano primário — que não é mais que o dualismo entre... aqui dentro e ai fora, entre sujeito e objeto, entre a Testemunha vazia e todas as coisas registradas — desaparece e se vê transcendido por Um Só Sabor não dual. Quando realmente conectas com a Testemunha e vais mais além dela, então — e só então — podes transcendê-lo na Não dualidade radical e, em lugar de encontrar-te na metade do caminho, haverás voltado completamente para tua casa, aqui, na maravilha onipresente do que és...
E como sabes que realmente superastes o dualismo cartesiano? De um modo muito simples, porque então já não sentes que estás deste lado de teu rosto contemplando um mundo que se acha diante de ti. Só existe o mundo, tu és ele e sentes que és um com tudo o que emerge momento a momento. Não estás simplesmente deste lado de teu rosto contemplando o que ocorre fora daqui, porque "aqui" e "ai" se fundem então no Um Só Sabor com uma evidência e uma certeza tão enfática como se sobre tua cabeça houvesse caído uma rocha de cinco toneladas, uma sensação, assim dizendo, impossível de se duvidar.
Nesse mesmo instante em que, na realidade, é teu estado onipresente, desaparece a identificação exclusiva com este organismo concreto, desaparece a contradição da consciência no interior de tua cabeça, uma contradição que te leva a sentir que "tu" estás deste lado de teu rosto contemplando o mundo "exterior". Então a atenção não está presa no corpo-mente pessoal porque, em seu lugar, a consciência é uma com tudo o que aparece, uma expansão imensa, aberta, transparente, radiante, infinitamente Livre e Plena que abarca a totalidade do Cosmos e na que todos e cada um dos objetos se fundem eroticamente no Grande Abraço de Um Só Sabor. Então é quando deixas de estar exclusivamente por trás dos olhos, te convertes na Totalidade e experimentas de maneira direta e imediata que tua identidade básica é tudo o que emerge momento após momento (como antes te sentias identificado com essa espiral finita, parcial, separada e mortal de carne a que chamas corpo). Então é quando dentro e fora se convertem em Um Só Sabor. Assim é como ocorre!
Ken Wilber em, A Pura Consciência do Ser
Fonte web: Perene Consciência